sábado, 3 de outubro de 2009

Chronique: "Dans la queue de la banque"

"Greve por tempo indeterminado". Lê-se nas portas dos bancos Brasil afora.
Nas viagens do dia-a-dia, pela janela do ônibus, é o que leio em plaquinhas vermelhas: Estamos em Greve! E o que se faz ouvir são os rumores da população que nada tem com isso e ainda tem que pagar o pato. Vê se pode!
"É sempre assim, a corda só arrebenta pro lado mais fraco, pro lado do povo!!" — Esbraveja um senhor na fila do banco, visivelmente com os nervos à flor da pele.
Não que os bancários não tenham direito de fazer greve. Longe disso. Eles o têm. Mas quem disse que a população é quem deve sofrer as consequências da displicência dos "donos da bufunfa"? O senhor furibundo tinha toda a razão de o estar, visto que a população já carrega sobre si o peso de vários fardos: é a conta de luz, de água, de telefone, todas as contas que não tardam chegar, dívidas a quitar e um leão feroz que abocanha sem dó. Não bastasse tudo isso, e um tanto mais, o pobre cidadão ser ainda levado a esperar 2, 3 horas na fila de um banco por causa de greve...oras, é de revoltar qualquer um!
Certa vez, para ser mais exato na última quinta-feira, eis que um aluno de comunicação precisa ir ao banco receber a paga de seu trabalho mensal. Tivesse o banco em funcionamento normal, o batalhão de gente que jazia naquela fila ingrata pareceria bem menos expressivo, na certa. Eis que mais gente vai chegando e se acomodando umas atrás das outras.
Na morbidez daqueles instantes teimosos que insistiam se arrastarem, o olho percorria ansioso o ponteiro do relógio, que parecia arrastar. Num ambiente democrático - quer mais democracia que a lógica da fila, onde, diz a regra secular, tem a vez quem chega primeiro - eis que um sentimento estranho lhe abateu naquele vazio. “Por que tem que ser assim?” Ele experimentava o que talvez fosse lado mais sombrio da democracia: o de quem não é o primeiro da fila e é obrigado a esperar, esperar.
Passadas lamuriosas quase-duas horas, e tendo visto senhorinhas e senhorezinhos atravessarem em meio àquele “mundarel” de gente e entrarem com exclusividade, o furor crescia dentro de cada um que jazia ali naquela agonia sem fim.
O problema maior, na realidade, não é a democracia que confere aos adultos o dever de esperar e aos idosos o direito de passar à frente não. É o jeitinho brasileiro, isso sim - o que não pode faltar nessas circunstâncias. Há de ter sempre um espertozinho a burlar as convenções.
O estagiário de comunicação a essa altura queria afundar no chão e sumir dali - de posse do seu dinheirinho, claro - pois já não era mais suportável tamanha espera. O fluxo era tão dinâmico que a cada 10 minutos entrava um. “E só tem 15 na minha frente, só 15 pessoas” - desabafa para si o "recebente".
A certa altura o silêncio das indignações íntimas de cada um já se externara sob a forma de protestos. A revolta ganhara vozes polifônicas. Era impossível não se estressar, sobretudo quando a cada 5 minutos entrava alguém procurando por um tal de Moisés e entrava imediatamente, sem encontrar resistência da segurança.
Virou um estratagema, um código que favorecia os "espertos" amigos do tal de Moisés, que, veio-se descobrir mais adiante, era o gerente do banco.
O que mais diverte no jeitinho brasileiro é o senso de humor e o sarro que ele tira da mais mórbida e estressante situação. Aquele senhor que esbravejara lá no começo já se encarregou de fazer piadinha com o tal Moisés, depois de ter gritado, esperneado, tentado entrar na marra, discutido com os vigias e feito aquele escarcel.
Não me agrada fazer escândalos, mas se a causa é nobre, é nobre também ter por perto alguém que tenha coragem de fazê-los por mim - em nome do bem comum e dos direitos democráticos que conferem o dever irrestrito de esperar na fila a vez, e deixar o Moisés fazer o trabalho dele.

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