sexta-feira, 22 de maio de 2009

Le récit d'une expérience

Este blog tem tido a pretensão de mostrar coisas interessantes, abordando aspectos positivos da pátria de Molière, tanto quanto tem mostrado suas boas facetas, e um pouco — até então — (do bastante) daquilo de bom que tem a oferecer.

Porém, nem tudo são flores, sobretudo quando há quem insista em mostrar o lado não tão bom das coisas, ou então faz questão borrar as bordas de um belo quadro.

Eis o que me traz a “desflorear” as coisas e desvelar o putrefato membro de algo que foi feito tão-somente para brilhar. Muito teimaria não fazê-lo. Muito gostaria eu que fosse “autrement”, “différemment”. Bem que poderia sê-lo; se tudo pudesse continuar se delineando floreadamente, quão jubilosos poderíamos estar, e assim permanecer. Mas toda realidade, por mais mirífica que seja, tem marcas que lhe sujam a aparência, lhe corrompem a essência. E, de repente, sobre um belo afresco vem a derramar-se uma gota de vinho tinto que mancha a tela, inebria as cores, ofusca-lhe o brilho e reveste-lhe de ignomínia.

Até então, nada clarividente deve ter sido o que aqui lhes narro. Afinal, nem mesmo este autor ao presente instante está convicto daquilo que suas falanges redigem parcimoniosamente. A intenção de princípio era relatar literariamente algo de teor jornalístico. Simples intento; se logrado, porém, cabe-te a ti que me lês descobri-lo, ao longo desta inenarrável angústia que ora tento verbalizar.
Pois é...se o dever me chamava, embora não quisesse ouvi-lo, embora relutasse em atendê-lo, não teve jeito. Cedi-me à vontade, mesmo sem vontade. Meu desafio aqui é tentar ser poético e sutilmente sofisticado — algo genuinamente à francesa, diga-se de passagem —, sem, contudo, ser prolixo. E aqueles que me conhecem entendem o que intento dizer ao referir-me a dificuldade.
Às vezes, vem-me um ímpeto de apagar caractere por caractere (acho “caractere” algo tão martirizante!) do que escrevi até agora, porquanto me ocorre a sensação de que a proposta inicial passa longe do que estou a fazer aqui.
Como dito, tratava-se originalmente de um perfil/crônica, de um texto com teor jornalístico e escrita literária. Não seria nada demais, não fosse o plus da questão: o personagem dessa história não haveria de ser humano. Aqui está inserido o quase-impossível da coisa. Achar um personagem relacionado ao assunto deste blog, que não fosse humano, e sobre o qual eu pudesse apurar, sondar e então relatar...haja verve, haja espírito!
Depois de muito vagar errante à procura do que me oferecesse as características necessárias para compor meu objeto ideal, cheguei à conclusão de que não o havia encontrado exatamente.
Vitória não é dos melhores redutos de qualquer coisa que inspire França. Fato. Mas, a certa altura de minha sondagem angustiosa, deparei-me com um cartaz afixado num desses murais da Ufes. Heureca! Havia sido por um instante alguém de sorte grande, enfim — pensei. Tinha o mapa do tesouro em mãos. Só me restava localizar o “X" e ir-lhe ao encontro com todo o ímpeto que me houver.
Hã? O que divulgava o misterioso cartaz, que por um instante me parecia ter sido a solução para o que me acentuava as rugas do semblante? Ah, sim... Ele divulgava o “Espaço Cultural Édith Piaf”. E o mapa do tesouro me indicava o endereço que devia seguir.

Eu tinha que conhecer aquilo. Estava apreensivo. A respiração, ofegante. O coração, esperançoso. Meu ser, curioso, acima de tudo. O que me esperava lá? O que haveria de encantador, que fizesse jus ao nome com que foi batizado? Estava convicto de que teria muito a apurar e a descrever, de modo que em dez mil caracteres, sequer titubearia ou teria de recorrer a divagações. Louváveis anseios quiméricos!

Um espaço cultural dedicado à França nos arredores de chez moi parecia-me realmente a salvação. Foi então que descobri que o dito espaço era agregado ao Club de France, sobre o qual já ouvira rumores e até pusera post-filtro aqui semana passada. Eu de fato precisava conhecer o lugar.
Foi então na quarta, depois da aula, chamei dois amigos a ir comigo visitar o espaço. Ao chegar lá...

Bem, depois de uma certa dificuldade para encontrá-lo, na rua Celso Calmon, Praia do Canto, o primeiro contato. Seguiu-se uma sensação que não consigo descrever, lamento. É inefável, mas foi algo próximo a uma certa estranheza. Não era bem o que eu esperava ter encontrado, aliás, era extremamente diferente do que imaginara.

Qualquer edificação que se nomeia por Club remete imediatamente à ideia de algo espaçoso. Não foi, porém, o que a fachada do estabelecimento transpareceu. Aproveitando o trocadilho, até que transparente era. Havia muito vidro. A entrada era em vidro, o meio em vidro, vidro pelos fundos também havia, sem contar o segundo andar. Era uma maison de vitre.

O problema, adianto, estava na disparidade entre “ser” e “parecer”. A divulgação do espaço foi muito intensa; ganhou a grande mídia, os blogs, a mídia colaborativa, os meios alternativos de informação etc. A publicidade na divulgação não pecou. Em nada pecou, pois a existência do Club de France era conhecida de muitos, principalmente na Universidade, onde por toda parte havia cartazes divulgando-a.

Pela comunicação feita em torno do novo espaço, difícil seria achar quem não tivesse ficado pelo menos curioso em saber o que ofereceria, ou mesmo instigado a conferir o que de Paris haveria naquele lugar.

Aqui me vem à tona muito claramente uma questão de imagem. Quem trabalhou a comunicação institucional do ambiente construiu uma imagem muito sedutora e atrativa, com certeza. Mas o quão verossímil e em que medida a imagem realmente equivale à identidade daquele espaço...voilà uma coisa a se refletir.

De imagem, havia uma avalanche saltando sobre meus olhos, ainda ávidos em percorrer toda a ambience. Um simpático caminho nos conduzia da calçada da rua à fachada do estabelecimento. Caminho de pedras ladeado por um arranjo botânico vistoso e aconchegante.

À porta, junto à entrada, um segurança intimidativo desses que se põem a guardar a segurança das pessoas em eventos e cerimoniais. Terno, gravata, ar desdenhoso. Da altura de seus 1,90m, que devia ter, abriu-nos a porta de um ar servil e méprisant, como o fazem mordomos de madames francesas tal qual se vê em filmes.

Ao primeiro passo dado no interior do estabelecimento, entreolhamo-nos surpresos. Uma escada no canto direito, cujo acesso não sei para onde dava. Na verdade só fui reparar nela quando estávamos já de saída. À nossa frente, um funcionário elegantemente vestido recebeu-nos com uma voz calma e fresca. Não lhe demos muita atenção, ao que ele respondeu à altura, e continuamos a adentrar. Podíamos perceber o ar forçadamente refinado das pessoas que ali se deixavam encontrar, tendo sob os pés uma cerâmica de porcelanato que dava para ver o reflexo, tamanha polidez. Polidos tentavam ser, ou parecer, aqueles funcionários que balbuciavam entre si em baixa voz, quase aos cochichos.

Roupas e artigos de luxo já evidenciavam o que se pretendeu na divulgação ao dizer do ambiente ser um “pedaço de Paris em Vitória”. Era claro que a fatia que arrancaram da Cidade Luz foi a mais cara e opulenta. Ao espiar o preço daquelas roupas e calçados, aturdi-me e, de pronto, fez-se silêncio em meu interior. Engoli seco, e continuamos explorando o ambiente, eu com olhar atento e sem perder um detalhe.

No segundo ambiente, rodeado por uma espécie de cúpula de vidro, havia um café — o aclamado café que se dizia inspirado no famoso Café de La Paix — e mesas e cadeiras imitando um ambiente parisiense. À esquerda, uma porta palaciana de efeito decorativo, dava pra lugar nenhum, creio. Por ora, só olhávamos, percorríamos os olhos do chão em porcelanato ao pé direito suntuoso, ao estilo Grand Palais. Paredes amarelas, muitos adornos em dourado, remetendo à opulência aurífera e magnitudes imponentes.

Luxo é um adjetivo que designa categoricamente o ambiente Club de France que se nos deu a revelar com um certo glamour, mas nada que me fizesse sentir Paris. O Espaço Édith Piaf, onde estava a exposição, era o mesmo descrito acima, o mesmo do Café. Tudo em um, um tanto apertadinho, acomodando uma dúzia de quadros de Gregory Fink — um pintor inglês! Vale ressaltar que não notamos naquela mixórdia de espaços uma exposição. Atravessamos flutuantes aquele lugar até os fundos e só então nos demos conta de que passamos por "dentro" da exposição sem notá-la.
Já assentados em puro veludo de confortáveis e pomposas cadeiras, fomos abordados por um dos funcionários que se ocupava do Café (onde havia um menu com vinhos argentinos, venezuelanos, franceses etc, que tive em mãos a extasiar-me com os preços). O exótico sujeito veio-nos servir meia taça de guaraná, querendo parecer receptivo, e teve o despautério de dizer: — "Vou servir um pouquinho de refrigerante, que é pra vocês voltarem". Disparada a máxima, deu um sorrisinho forçado e retirou-se. HAHA Foi o ápice dos momentos.

Da "exposição"...notamos que não havia pretensão essencialmente artística, e, se havia, era majestosamente ocultada pela venalidade de um espaço vazio em significado cultural e repleto de artigos de luxo, cujo preço só permite o acesso dos muito ricos. Clientes? Na metade de uma tarde que permanecemos por lá, não os vimos, salvo gatos pingados que possam ter-nos passado desapercebido.

Ao que vi no primeiro andar — a comprovação de que o Club de France não ia além de uma boutique de luxo —, preferi nem me dar ao trabalho de subir os diáfanos degraus que eram alvejados por uma funcionária (vestida servilmente, botas, touca e luva — uma figura completamente destoante naquele refinado, e ao mesmo tempo hostil, lugar), rumo ao segundo andar, onde funcionava um SPA.

Soa realmente muito hipócrita divulgar à população universitária um espaço cultural numa cidade onde isso é raridade, deixando uma interrogação quanto ao “cultural” do termo. Só esqueceram mesmo de representar a cultura que a França evoca, porque na decoração, foram impecáveis. O cenário imperioso era digno da pompa.

Mas aquela Paris, ali representada, mantém discrepâncias estarrecedoras ao que creríamos uma Paris dos sonhos, que se mostra mais tangível e propensa a sair do plano onírico e ganhar o centro do deleite de pessoas mais, digamos, comuns.

2 comentários:

  1. A visão que se tem da França nessa cidade é essa mesmo. Muito requinte, pose, luxo, glamour, vinhos importados e preços altíssimos!
    Gostaria que o Srto comentasse o e-mail que te mandei sobre a França na Idade Média.
    Menos falseta do que o Club de France. Não acha?
    Beijos
    e ta de parabéns pelo texto!

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  2. A divulgação foi uma enganação, sem dúvida.

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