Porém, nem tudo são flores, sobretudo quando há quem insista em mostrar o lado não tão bom das coisas, ou então faz questão borrar as bordas de um belo quadro.
Eis o que me traz a “desflorear” as coisas e desvelar o putrefato membro de algo que foi feito tão-somente para brilhar. Muito teimaria não fazê-lo. Muito gostaria eu que fosse “autrement”, “différemment”. Bem que poderia sê-lo; se tudo pudesse continuar se delineando floreadamente, quão jubilosos poderíamos estar, e assim permanecer. Mas toda realidade, por mais mirífica que seja, tem marcas que lhe sujam a aparência, lhe corrompem a essência. E, de repente, sobre um belo afresco vem a derramar-se uma gota de vinho tinto que mancha a tela, inebria as cores, ofusca-lhe o brilho e reveste-lhe de ignomínia.
Bem, depois de uma certa dificuldade para encontrá-lo, na rua Celso Calmon, Praia do Canto, o primeiro contato. Seguiu-se uma sensação que não consigo descrever, lamento. É inefável, mas foi algo próximo a uma certa estranheza. Não era bem o que eu esperava ter encontrado, aliás, era extremamente diferente do que imaginara.
Qualquer edificação que se nomeia por Club remete imediatamente à ideia de algo espaçoso. Não foi, porém, o que a fachada do estabelecimento transpareceu. Aproveitando o trocadilho, até que transparente era. Havia muito vidro. A entrada era em vidro, o meio em vidro, vidro pelos fundos também havia, sem contar o segundo andar. Era uma maison de vitre.
O problema, adianto, estava na disparidade entre “ser” e “parecer”. A divulgação do espaço foi muito intensa; ganhou a grande mídia, os blogs, a mídia colaborativa, os meios alternativos de informação etc. A publicidade na divulgação não pecou. Em nada pecou, pois a existência do Club de France era conhecida de muitos, principalmente na Universidade, onde por toda parte havia cartazes divulgando-a.
Pela comunicação feita em torno do novo espaço, difícil seria achar quem não tivesse ficado pelo menos curioso em saber o que ofereceria, ou mesmo instigado a conferir o que de Paris haveria naquele lugar.
Aqui me vem à tona muito claramente uma questão de imagem. Quem trabalhou a comunicação institucional do ambiente construiu uma imagem muito sedutora e atrativa, com certeza. Mas o quão verossímil e em que medida a imagem realmente equivale à identidade daquele espaço...voilà uma coisa a se refletir.
De imagem, havia uma avalanche saltando sobre meus olhos, ainda ávidos em percorrer toda a ambience. Um simpático caminho nos conduzia da calçada da rua à fachada do estabelecimento. Caminho de pedras ladeado por um arranjo botânico vistoso e aconchegante.
À porta, junto à entrada, um segurança intimidativo desses que se põem a guardar a segurança das pessoas em eventos e cerimoniais. Terno, gravata, ar desdenhoso. Da altura de seus 1,90m, que devia ter, abriu-nos a porta de um ar servil e méprisant, como o fazem mordomos de madames francesas tal qual se vê em filmes.
Ao primeiro passo dado no interior do estabelecimento, entreolhamo-nos surpresos. Uma escada no canto direito, cujo acesso não sei para onde dava. Na verdade só fui reparar nela quando estávamos já de saída. À nossa frente, um funcionário elegantemente vestido recebeu-nos com uma voz calma e fresca. Não lhe demos muita atenção, ao que ele respondeu à altura, e continuamos a adentrar. Podíamos perceber o ar forçadamente refinado das pessoas que ali se deixavam encontrar, tendo sob os pés uma cerâmica de porcelanato que dava para ver o reflexo, tamanha polidez. Polidos tentavam ser, ou parecer, aqueles funcionários que balbuciavam entre si em baixa voz, quase aos cochichos.
Roupas e artigos de luxo já evidenciavam o que se pretendeu na divulgação ao dizer do ambiente ser um “pedaço de Paris em Vitória”. Era claro que a fatia que arrancaram da Cidade Luz foi a mais cara e opulenta. Ao espiar o preço daquelas roupas e calçados, aturdi-me e, de pronto, fez-se silêncio em meu interior. Engoli seco, e continuamos explorando o ambiente, eu com olhar atento e sem perder um detalhe.
No segundo ambiente, rodeado por uma espécie de cúpula de vidro, havia um café — o aclamado café que se dizia inspirado no famoso Café de La Paix — e mesas e cadeiras imitando um ambiente parisiense. À esquerda, uma porta palaciana de efeito decorativo, dava pra lugar nenhum, creio. Por ora, só olhávamos, percorríamos os olhos do chão em porcelanato ao pé direito suntuoso, ao estilo Grand Palais. Paredes amarelas, muitos adornos em dourado, remetendo à opulência aurífera e magnitudes imponentes.

Da "exposição"...notamos que não havia pretensão essencialmente artística, e, se havia, era majestosamente ocultada pela venalidade de um espaço vazio em significado cultural e repleto de artigos de luxo, cujo preço só permite o acesso dos muito ricos. Clientes? Na metade de uma tarde que permanecemos por lá, não os vimos, salvo gatos pingados que possam ter-nos passado desapercebido.
Ao que vi no primeiro andar — a comprovação de que o Club de France não ia além de uma boutique de luxo —, preferi nem me dar ao trabalho de subir os diáfanos degraus que eram alvejados por uma funcionária (vestida servilmente, botas, touca e luva — uma figura completamente destoante naquele refinado, e ao mesmo tempo hostil, lugar), rumo ao segundo andar, onde funcionava um SPA.
Soa realmente muito hipócrita divulgar à população universitária um espaço cultural numa cidade onde isso é raridade, deixando uma interrogação quanto ao “cultural” do termo. Só esqueceram mesmo de representar a cultura que a França evoca, porque na decoração, foram impecáveis. O cenário imperioso era digno da pompa.
Mas aquela Paris, ali representada, mantém discrepâncias estarrecedoras ao que creríamos uma Paris dos sonhos, que se mostra mais tangível e propensa a sair do plano onírico e ganhar o centro do deleite de pessoas mais, digamos, comuns.
A visão que se tem da França nessa cidade é essa mesmo. Muito requinte, pose, luxo, glamour, vinhos importados e preços altíssimos!
ResponderExcluirGostaria que o Srto comentasse o e-mail que te mandei sobre a França na Idade Média.
Menos falseta do que o Club de France. Não acha?
Beijos
e ta de parabéns pelo texto!
A divulgação foi uma enganação, sem dúvida.
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